7 de maio de 2010

A volta de Alice a um País não tão maravilhoso assim


Nota: Devido à estreia de "Alice No País Das Maravilhas", três de nossos membros, Kill, Gemma e André, se interessaram em escrever sobre as impressões que tiveram acerca do filme. Logo, preparem-se para uma overdose de Alice!

Quando a Disney anunciou no fim de 2007 que faria uma adaptação em live-action de Alice no País das Maravilhas, e que Tim Burton seria o responsável pela direção, muita gente comemorou. Diretor de filmes como Beetlejuice (1988), Edward Mãos de Tesoura (1990) e mais recentemente Sweeney Todd - O Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet (2007), Burton era a escolha perfeita para dar vida ao mundo de Alice. Sua capacidade e competência para criar mundos fantásticos, como em Peixe Grande (2003) e A Fantástica Fábrica de Chocolates (2005), seu estilo de direção e estética peculiar, que se transformou em sua marca registrada, e a habilidade em contar histórias prometiam fazer jus ao imaginário de crianças e adultos.

Nascido em 1958 em Burbank, Califórnia, lar de grandes estúdios como NBC, Warner Bros. e Disney, Tim Burton começou sua carreira na equipe de animação dos estúdios Disney em 1979, após se formar no Instituto de Artes da Califórnia. Foi nessa época que criou os conceitos do que depois viria a ser O Estranho Mundo de Jack (1993), Vincent (animação de 1982 em homenagem ao seu ídolo, o ator Vincent Price) e Frankenweenie (1984). Este último lhe rendeu sua estréia como diretor no ano seguinte, em A Grande Aventura de Pee Wee, que faturou 40 milhões de dólares nos cinemas americanos. A partir daí, o estilo característico de Burton caiu nas graças do público e dos estúdios, e vários sucessos se sucederam, como Batman (1989) o já citado Edward Mãos de Tesoura, considerado pelos fãs do diretor como seu melhor trabalho até hoje.

A adaptação do clássico literário escrito em 1865 por Lewis Carroll - pseudônimo do matemático e escritor inglês Charles Lutwidge - é uma das mais esperadas estréias do ano. O livro que povoa o imaginário popular há décadas já teve várias adaptações para cinema, sendo a mais conhecida a animação da Disney de 1951. Nessa nova versão, Tim Burton usa uma espécie de mistura dos dois livros que contam a aventura de Alice pelo País das Maravilhas para criar seu próprio argumento - a continuação do primeiro livro se chama Através do Espelho e foi publicada em 1972.

O filme de Burton apresenta uma Alice mais velha, que herdou do pai, agora morto, a imaginação fértil e a curiosidade. Quando criança, tinha sonhos recorrentes sobre um certo lugar que conheceu após cair na toca de um coelho. Agora, aos dezenove anos, Alice (interpretada pela australiana Mia Wasikowska) descobre estar prestes a ser pedida em casamento, quando vê um coelho branco e resolve seguí-lo, caíndo num buraco fundo que a leva à Underland. Logo ela descobre que essa é a terra dos seus sonhos de infância e que já esteve por aqui. As coisas, porém, estão diferentes: a Rainha Vermelha (Helena Bonham-Carter) comanda o País com mão-de-ferro, após roubar o trono de sua irmã, a Rainha Branca (Anne Hathaway), e uma profecia trazida pela lagarta azul revela que Alice deve matar o mostro Jabberwocky e salvar os habitantes de Underland.

Nesse mundo novo, personagens clássicos ganham nomes (a lagarta é chamada de Absolem e o coelho branco de McTwisp) e perdem em fidelidade à obra original. A história de Burton segue a clássica jornada do herói e transforma Alice numa espécie de Messias, que passa por uma jornada de autoconhecimento durante o filme para culminar na descoberta de si mesma em meio à batalha final contra o Jabberwocky.

O trunfo do filme é a Rainha Vermelha, magistralmente interpretada por Helena Bonham-Carter, que rouba todas as cenas em que aparece. A Rainha Branca é uma caricatura do estereótipo da boa princesa e o Chapeleiro Maluco (Johnny Depp), no fim das contas, não é assim tão louco. O personagem mais fiel ao livro é o coelho branco, que consegue manter o tom dado por Carroll. O problema é que tentativa de humanizar demais os personagens acabou descaracterizando-os, tirando a loucura original que os deixava tão interessantes e servia como canal introdutor para as críticas sociais, filosóficas e metáforas sobre o ser humano que existem nos livros de Carroll. Alice deixou de ser apenas uma garota em busca de aventuras conhecendo um mundo diferente e passou a ser uma heróina sem motivações sólidas, apenas porque esperam que ela salve o dia, defeito agravado pela interpretação de Wasikowska, que, apesar de ser boa atriz, se perde em meio a tantos nomes de peso e não consegue impor sua presença.

Ao final do filme, o que se percebe é que vimos Alice de Tim Burton, que criou a partir do argumento de Lewis Carroll uma história inteiramente sua, que pouco tem a ver com a original, uma espécie de fanfiction. Entretando, isso não é de todo ruim, se você olhar pelo ângulo correto. Para os fãs de Burton, todos os elementos que caracterízam o diretor estão lá: o mundo e as criaturas fantásticas, visual impecável, a ênfase nas histórias dos personagens e os flashbacks, o tom sombrio e a paleta de cores vivas em contraste, o amor pelos desajustados. O diretor conseguiu, da sua própria maneira, entregar um trabalho competente, que prende a atenção e que com certeza agradará a maioria dos espectadores. O grande porém é que ele poderia ter sido bem melhor do que apenas uma tentativa válida.

A impressão que fica é de que se viu um filme razoável e divertido, mas sem nenhum diferencial, o tipo de filme que se esquece logo após a sessão. A dica é: vá ao cinema sem altas espectativas e sem esperar a tradução das obras na tela grande. Burton, mais uma vez, cria o seu próprio mundo; o de Carroll vai ter que esperar.

Por Kill (@kill707)

Um comentário:

  1. Achei ótima sua colocação e concordo quando você diz que o filme acaba por ser "uma espécie de fanfiction".

    É verdade, é uma história diferente da de Carroll.

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